sexta-feira, 25 de julho de 2008

Eu gostei do The Dark Knight – e agora?

Então, é assim: fui ontem ver The Dark Knight (O Cavaleiro das Trevas) o tão aguardado filme deste Verão realizado por Christopher Nolan e com o argumento dele e do seu irmão Jonathan, tendo por base a personagem criada por Bob Kane. Fui vê-lo com dois gerentes cá da Pensão e quem ler os comentários do "post" colocado pelo horned_dog relativo ao "hype" em volta do filme, já terá uma ideia da opinião deles. A minha é um pouco diferente... (Em relação a isto, peço ao horned_dog que diga de sua justiça – assim que vir o filme, se é que ainda não o viu – o que achou daquelas cerca de duas horas e meia.)

Quero esclarecer duas coisas, antes de prosseguir:
1.ª como já perceberam, o que vou dizer reflecte única e exclusivamente a minha opinião – não se trata da opinião consensual do blogue;
2.ª é provável que durante o texto apareçam alguns "spoilers" (vou tentar não abusar), pelo que se há alguém que ainda não viu o filme, é melhor ter algum cuidado.

Eu gostei do filme. (Mais do que Batman Begins.) Não vou fazer comparações entre ele e o 1.º (nem o 2.º) de Tim Burton. Não vou por aí. São abordagens diferentes. (Além disso, dada a grande admiração que tenho por Tim Burton e pelo seu trabalho, dizer mal destes é, para mim, um sacrilégio.) Além disso, mesmo que considerasse este superior, não se pode negar que este só foi possível graças ao trabalho que já foi feito, à visão que ele já teve. O facto de Tim Burton ter realizado os primeiros da forma que o fez, condicionou, obviamente, tudo o que veio posteriormente – o bom (Nolan) e o mau (Schumacher).
Como já disse, gostei do filme. Gostei muito da interpretação dos actores (Heath Ledger é, verdadeiramente, brilhante; todos os outros muito bons; não achei brilhante Maggie Gyllenhaal – acho-a superior a Katie Holmes, mas faltou ali qualquer coisa...), gostei bastante da intriga em si (já li diversas vezes que em certas alturas lembra a trama policial de Heat de Michael Mann, mas quanto a isso não posso falar; ofereceram-me o filme a semana passada e ainda não o vi – eu sei, "shame on me"), gostei da fotografia (o filme está um pouco envolto num cinzento, é um pouco escuro, mesmo quando há luz, e mesmo as cores das roupas e pinturas do Joker são, apesar do colorido, um pouco sombrias) e gostei das chamadas cenas de acção (quanto a isto, não posso falar muito – não sou verdadeiramente fã de filmes de acção e não tenho grandes referências. Concordo com o Curufinwë que acha que algumas cenas são confusas, com constantes mudanças de plano, o que impede um acompanhamento das personagens. Mas acho que a perseguição que envolve o Joker a conduzir um camião e o Batman numa mota é muito boa. Opiniões...). Só por isto que enumerei, não tinha qualquer relutância em atribuir 8 pontos (em 10) ao filme.

Mas há lá coisas que acho mesmo interessantes e é por elas que acho que o Sr. Nolan fez um óptimo trabalho:
– o Batman está ligeiramente diferente neste filme: está mais agressivo, mais cínico, quase nunca sorri/ri, por vezes desiludido consigo e com o herói (?) que criou, ou seja, mais humano;
– a dualidade entre o Bem e o Mal, esse tema tão velhinho, tantas vezes revisitado e que continua a fazer todo o sentido hoje; Gary Oldman é extraordinário no papel de Jim Gordon, o polícia virtuoso disposto a fazer tudo o que pode para limpar o crime das ruas de Gotham. Um homem incorruptível, no qual é fisicamente visível o peso da virtude. Apesar dos esforços contínuos e da atenção permanente de Jim, vemos um homem com um ar cansado e às vezes prestes a desistir, fazendo transparecer a dificuldade em manter-se honesto em Gotham; e como contraponto a Jim Gordon quase tudo o resto (mostrando uma balança bastante desequilibrada e realista): a Máfia, os polícias corruptos e Harvey Dent que sucumbe no final;
– certos pormenores que considero bem explorados: 1.º – o facto de Rachel ter optado por Harvey e o filme ter fugido ao "cliché" típico da mocinha que fica com o herói, contra tudo e todos, o que revela um maior grau de maturidade da personagem; 2.º – o desfecho escolhido para Rachel, porque apesar de ser previsível a escolha que Batman fez (salvá-la), serviu para mostrar um pouco mais da mente do Joker (que deu uma informação errada); 3.º – a carta que Rachel escreve a Bruce, o facto de pedir a Alfred que a entregue no momento certo, momento esse que ele saberá quando chegar e o facto de Alfred nunca a entregar pois sabe que, dadas as circunstâncias, esse momento jamais chegará e sabe também que aquelas palavras teriam, obrigatoriamente, um papel crucial na destino de Bruce e também de Batman e, consequentemente, de Gotham; 4.º – Lucius Fox, o cientista que acompanhou Bruce desde o início, ajuda-o a desenvolver alguns "gadgets" que lhe serão muito úteis, mas decide afastar-se pois algumas das atitudes de Bruce comprometem os seus valores, o que revela a sua verticalidade moral; 5.º – a cena dos barcos: o facto de todos estarem revoltados e decididos a mandar o barco "rival" pelos ares (a ponto de quase lincharem os opositores), mas de nenhum ter a verdadeira coragem de rodar uma chave parece-me muito realista (marca bem a diferença entre falar e fazer);
– e claro, o Joker! Brilhante interpretação de Heath Ledger. É, sem dúvida, a figura do filme: as roupas desalinhadas e sujas, o andar e a postura desengonçados – até desajustados –, o cabelo atrapalhadamente repulsivo e os tiques, meu Deus, os tiques! O constante morder e molhar dos lábios, a língua nervosamente fora e dentro da boca, os olhos revirados que nem sempre focam o outro, o gaguejar oportuno e o riso desconcertante. É uma figura terrível porque como ele próprio diz é um "agent of chaos". E é isso que é assustador: até ele aparecer a cidade estava a ferro e fogo com a Máfia, mas é verdade que com a Máfia podia bem a polícia e Batman. São vilões com rosto, com objectivos definidos e com regras (as deles, mas regras). E então surge Joker. Como ele diz "this town deserves a better class of criminals", alguém que não esteja ocupado a elaborar esquemas, alguém que não siga as regras, alguém que não tenha por objectivo o poder e o dinheiro. Ou seja – ele! Ele é a verdadeira anarquia, o caos, é um terror que como não tem regras, é imprevisível. Não tem um código de ética como os restantes mafiosos (e isso vê-se quando dá indicações do paradeiro de Harvey e de Rachel) e é por isso que, a partir de certa altura no filme, a Máfia deixa de ser a maior preocupação da cidade. Para mim, é brilhante o facto de não recorrerem à típica psicologia de algibeira para explicar este Joker: nada de teorias freudianas envolvendo o pai ou teorias pseudo-românticas envolvendo desgostos amorosos. Apesar disto ser sugerido – e isto é que é interessante. Ele inventa estas duas possíveis desculpas em ocasiões diferentes e com isto mostra que não é o resultado do que lhe fizeram. Pode ser ou não... Ele simplesmente é assim. E deixa-nos a pensar que talvez pudéssemos ser nós. Como ele diz "what doesn´t kill you makes you...stranger". E esta?

Por isto que enumerei aqui daria um 9/10. Isto já daria uma média de 8.5... Este não é um dos filmes da minha vida. Mas é um dos melhores filmes baseado em "comics" que já vi. E não nos esqueçamos que é a essa categoria que ele pertence – apesar de nos fazer pensar em questões bem pertinentes. O Sarcaustico dava o exemplo de American Beauty e Iron Man como sendo bons filmes – concordo. E qual deles é melhor? Poder-se-á dizer sem qualquer dúvida que o 1.º é melhor que o 2.º? Ou são dois bons filmes cada um na sua categoria? Fala-se muito do valor do 1.º Terminator, do 1.º Aliens, de Star Wars... E realmente cada um deles tem a sua importância no mundo do cinema, revolucionou a categoria em que se insere. Mas e se os compararmos com o Citizen Kane ou O Padrinho ? Será justo? Não me parece... Eu gosto de Leonard Cohen, de Arcade Fire e de Muse. Posso dizer que Arcade Fire não é grande coisa comparados com Cohen... É justo?

Enfim, gostei do filme. E gostei da ambiguidade relativa ao final do Joker: alguém sabe verdadeiramente o que lhe aconteceu?

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