quarta-feira, 18 de junho de 2008

Futebol: Coesão ou Alienação? - Parte I

Na 2.ª feira foi transmitido na RTP1 o programa Prós & Contras, cujo tema era Futebol: Coesão ou Alienação?. Os convidados eram Daniel Oliveira e Salgado Matos, a defender a ideia da alienação, e Carlos Abreu Amorim e Carlos Coelho, a defender a ideia de coesão.
Foi um debate interessante e destaco as intervenções de Daniel Oliveira, de Carlos Abreu Amorim e também de Miguel Gaspar e de José Neves que estavam na plateia. Gostei muito da argumentação de Carlos Abreu Amorim, apesar de não concordar com nada do que ele disse. (Mas isso não é motivo para não reconhecer o seu valor.)
Eu, tal como Daniel Oliveira, José Neves, Miguel Gaspar e Salgado Matos, aprecio futebol mas também considero que este é, na verdade, um factor de alienação da sociedade. Eis algumas ideias que foram defendidas por estes senhores e que reflectem aquilo que verdadeiramente penso:
- o futebol é entendido por todos como um espectáculo e um desporto de interesse quando é visto enquanto tal e ninguém tenta diabolizar o desporto em si;
- toda a extrapolação que é feita a partir do futebol é desajustada e perigosa: origina discursos demagógicos, incita ao orgulho nacional e ao patriotismo;
- a comunicação social não cumpre o seu papel e contibrui para o que foi chamado a certa altura de “processo de estupidificação”; ao cumprir horas de emissão transmitindo pormenores desinteressantes e irrelevantes da vida dos jogadores, dá azo a essa alienação;
- há várias pessoas que acusam aqueles que não vibram com a selecção de pouco patrióticos (como se de um defeito se tratasse...) e atribuem à selecção o mérito de ter devolvido aos portugueses o sentimento de pátria, de lusitanidade, de orgulho nacional e de unanimidade (conceito perigoso, como defendeu e bem Daniel Oliveira); mas como bem lembrou Miguel Gaspar, não se pode esquecer que isso foi obra de um brasileiro;
- o entretenimento ocasional de um jogo não pode (nem deve) passar disso mesmo e não pode mascarar os problemas económico-sociais e políticos que o país vive.

Muito mais se disse, é certo. E muito mais coisas pertinentes e certeiras. Mas não posso referir tudo ou este post ficaria ainda mais extenso. Mas gostaria de referir duas coisas.

1.º Carlos Coelho fez-me lembrar ao longo do debate uma versão (melhor, é certo) de Floribela, tanto apelava ao sonho, à capacidade de sonhar dos portugueses, à vontade de ir mais além e alcançar o impossível. A repetição constante de “we can” e “nós podemos”, aludindo a Barack Obama, trazia-me constantemente à memória o excelente sketch d' Os Contemporâneos.

2.º A apresentadora do programa, Fátima Campos Ferreira, desculpem o meu desabafo, mas é terrível. Em primeiro lugar, a sua posição pró-coesão era de tal forma flagrante, que poder-se-ia dizer que no programa estavam 3 contra 2. Depois, revelou o que já vem sendo hábito no programa: intervenções vazias e inoportunas, linguagem e discurso prosaico, postura e comentários desadequados e pouco profissionais. Além disso, foi completamente idiótica e lamentável a obsessão freudiana e pós-adolescente com as pernas do Cristiano Ronaldo.

Este post já vai longo (e isto, ao que parece, afasta os leitores). Como já disse, não acredito que o futebol seja factor de coesão da sociedade. Não me sinto mais portuguesa (até porque não sinto esse orgulho pátrio; gosto de ser quem sou, gosto dos meus amigos e família e gosto do país onde vivo, mas não por serem portugueses ou Portugal; tenho noção de que sou portuguesa por uma mera condicionante geográfica e não por livre escolha), não me sinto mais próxima dos outros portugueses nem me identifico mais com eles. Não acho que por termos uma boa selecção e esta ganhar seja mais produtiva no meu trabalho, seja mais activa socialmente ou seja mais feliz. Mas talvez isso não aconteça com os outros...

(Continua no próximo post...)

2 comentários:

Curufinwë disse...

Fico à espera do próximo post. De qualquer forma, não posso evitar fazer já um ou outro comentário.

Eu não gosto de futebol. Por isso mesmo, compreendo se acharem o meu discurso viciado à partida - seja como for, não acredito em opiniões isentas (todas dependem das nossas vivências, da nossa personalidade e, provavelmente, do nosso enciclopedismo cultural).

O futebol é largamente sobrevalorizado. Aquilo que deveria ser (pelo seu popularismo e fácil assimilação) um espectáculo simples e acessível, torna-se um tipo de prostituição de luxo - o preço dos bilhetes é altíssimo, as transmissões televisivas foram transformadas numa espécie de tráfico de droga legal (que as pessoas, mesmo com dificuldades, estão dispostas a subscrever monetariamente para consumir), os jogadores são trocados num mercado de escravos que atinge valores exorbitantes e as interacções entre os clubes parecem verdadeiras guerras de clãs mafiosos. A imagem dos futebolistas serve para vender seja o que for (se calhar é esse o desenvolvimento económico que o futebol providencia), porque as pessoas se identificam (sabe-se lá com o quê!) com a mesma - provavelmente, o país é tão pobre e provinciano que o povo tenta saborear, adquirindo produtos que os jogadores "recomendam", um pouco dessa vida endeusada e inatingível que o futebol sustenta.

A televisão, por seu lado, confunde a personagem com o actor (à boa maneira das novelas), afrontando, ao mostrar a ostensiva vida pessoal dos intervenientes, uma população que, na sua maioria, ganha menos em quinze anos do que alguns jogadores num dia. Já alguém parou para pensar no que realmente representam estes números?

Aquilo que deveria ser apenas um espectáculo de mero entretenimento, torna-se um estilo de vida, um símbolo viril, uma arma de arremesso com que atacamos os (super)desenvolvidos países vizinhos, na nossa tacanhez mental e educativa (espiritual não, porque sempre teremos Fátima).

Pobres somos e pobres seremos ao anestesiarmos a nossa miséria com circo e projecções infantis.

Já se fazia um novo 25 de Abril...

horned_dog disse...

Já que não há pão, enfiam-nos o circo pelos olhos dentro :P